Vamos inspirar esta reflexão em alguém que refere, a certa altura da sua escrita, ser
"malabarista de monta, conhecida por ter demasiadas bolas no ar. Mãe, esposa, filha, irmã, amiga e líder de uma equipa.
"Aposto que sabes qual das bolas que tento manter no ar deixo cair com mais facilidade".
Por certo, se é mulher, adivinhas qual. É mesmo essa. A bola do autocuidado.
Jayne Hardy é fundadora da "Blurt Foundation", uma plataforma que se dedica a ajudar pessoas com depressão. Hoje vamos conhecer ou revisitar o seu livro "Se eu não cuidar de mim quem cuidará?
Nas sociedades modernas o tempo é um bem escasso. Para todos, bem sabemos. Mas talvez concordemos que (ainda) são as mulheres quem mais sente essa escassez.
Infelizmente nem se trata de concordar ou discordar. É factual.
Existe um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos denominado "Quem são, o que pensam e como se sentem as mulheres em Portugal",
A partir do site da TSF, onde é mencionado verifica-se o que não surpreende:
há uma desigualdade acentuada entre homens e mulheres no que diz respeito a trabalho doméstico mas também na educação dos filhos
s.
Aí se pode ler que
"vão ser necessárias entre cinco a seis gerações para que o trabalho não pago relativo a tarefas domésticas seja igual entre casais, em que ambos trabalham fora de casa" e que "as mulheres destinam mais de metade do tempo em que estão acordadas a fazer trabalho não pago.
Desde limpeza da casa, lavandaria, compras de supermercado e cuidados com os filhos, as mulheres dedicam quase seis horas por dias a trabalho não pago, quer tenham ou não um emprego fora de casa."
É assim que:
Falta o tempo para descansar.
Falta o tempo para dormir.
Falta o tempo para a visita aos pais, prometida e logo adiada.
Falta o tempo para ir falar com a diretora de turma do filho.
Falta o tempo para ir às aulas do ginásio onde fez a inscrição com a amiga, certa que desta vez é que era.
Falta o tempo para o programa especial com o marido que continua à espera de melhores dias.
Falta tempo para assistir à reunião no escritório porque é preciso ir buscar a filha ao colégio.
E por aí vai...
Em suma, falta o tempo para conciliar vida familiar, vida profissional, vida pessoal.
E na falta de tempo sobra a tal bola, de que Jayne fala acima e que as mulheres deixam cair com mais facilidade, como se fossem uma mera nota de rodapé no livro da vida, dançando ao som da música (quase) sempre tocada por outros. É a bola do autocuidado, sim.
Esgotam-se no dia-a-dia.
Abafar o ruído à volta não é fácil. Dar ouvido aos desejos e necessidades ainda menos. Abre-se a porta ao conflito, por dentro e por fora. Interrogam-se porque se sentem tão perdidas e esgotadas.
Dão tanto que pouco ou nada sobra para si (têm medo de parecer egoístas - mas se não estiverem bem como podem continuar?)
Abre-se por dentro um campo de minas, como refere Hardy. E, o campo fértil faz surgir a doença, como lhe aconteceu - no caso teve que conviver por largo tempo com a depressão.
Interroga-se a autora acerca do que terá começado primeiro: se a falha em cuidar de si mesma ou a depressão. Não sabendo a resposta lembra a relação próxima e já estudada entre autocuidado e saúde mental.
Quando introduziu rotinas de autocuidado aprendeu a lidar com a sua própria depressão. Apesar do desconforto de repensar e mudar a relação consigo: "Chegava a ser doloroso mostrar-me bondosa e carinhosa consigo mesma. Parecia estranho cuidar de mim com tamanha gentileza".
Apesar do desconforto e da estranheza decidiu continuar no processo. Como refere no livro que venho mencionando: "creio que foi por essa altura que desisti de desistir".
E você, ainda é a bola da malabarista que cai sempre para o chão ou já desistiu de desistir de si mesmo e aposta no seu bem-estar?
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